A mudança de todos os trabalhadores da Usina de Itupararanga, de todos os tempos, não foi realizada em apenas uma semana, como Mr. Smith previra, mas em doze dias. Pode-se imaginar o entra e sai de caminhões de mudança nesse período, a chegada de família após família, a atividade de descarregar os caminhões, de se ajeitar os móveis em seus devidos lugares em cada residência no Acampamento, Balanço, Alto do Morro, Represa. Também, o retorno dos caminhões vazios, às cidades circunvizinhas. Na verdade, os porteiros mal davam conta de manter o Portão fechado. Então, quando todas as famílias estavam devidamente assentadas, definiu-se a data para a “Festa da Restauração”. Ela foi marcada para o Sábado seguinte à chegada da última família. Vocês hão de se lembrar que muitos vestidos haviam sido encomendados para a Landa no primeiro dia da chegada de Mr. Smith à Itupararanga, quando aventou-se a ideia de um grande baile na inauguração da Sede. Pois no período em que estivera de volta ao seu ateliê de costura, em Votorantim, a costureira Landa não parou um segundo e, agora, de volta ao Vale Encantado, já tinha entregue quase uma dúzia de vestidos às mulheres dali. Os homens tinham pedido que suas esposas, mães, filhas lavassem e passassem impecavelmente suas melhores camisas e ternos e cuidaram de engraxar os sapatos até que se pudesse pentear o cabelo neles. Bem, no dia marcado, uma iluminação foi preparada de tal forma que cada carro que encostasse junto à calçada da Sede um spot redondo, como esses que se vê em shows e teatros mostrasse as pessoas que chegavam. E havia um tapete vermelho desde o ponto de desembarque até o interior da Sede. Em seu interior havia uma iluminação especial na base de luzes negras e estroboscópicas para lembrar como sempre foram os bailinhos. Sobre o palco um tanto escuro um conjunto tocava músicas de décadas passadas, buscando, em cada seleção agradar todas as faixas etárias. A Sede estava lotada! Muitos casais dançavam e de vez em quando um ou outro saía para respirar um pouco na área e outros ocupavam seu lugar. Estava tudo muito lindo, as pessoas, felizes, confraternizavam, riam, se lembravam de fatos passados, iam até o balcão do bar tomar um refrigerante ou uma cerveja e voltavam para novas seleções. O ambiente era completamente familiar: filhos dançavam com mães, pais com filhas, primos com primas, irmãos com irmãs. Os casais de namorados (ou já casados) em clima de romance preferiam as músicas lentas. A festa seguiu assim por umas duas horas, até que as luzes todas se acenderam e o Nego, Orlando Camargo e o Alberto Pagan subiram ao palco. O conjunto aproveitou para ir se refrescar e o baterista-goleiro “Borracha”, sempre bem-humorado, fingiu tropeçar no último degrau arrancando risadas dos que estavam próximos. Nego foi o primeiro a falar: “Boa noite, amigos! Não há como negar que nossa festa está maravilhosa e estou aqui em cima muito feliz na qualidade do segundo Presidente do S.P.Electric que mais tempo administrou o clube ao longo das últimas décadas para saudar a todos e para anunciar este aqui, ao meu lado, o meu amigo Orlando Camargo, o primeiro, aquele que por mais tempo presidiu este clube maravilhoso, a quem eu peço uma salva de palmas e que agora também tem umas palavrinhas para vocês”. Muitas palmas foram ouvidas, misturadas a assovios e a gritos de “Aí Orlando!”. Aquele homem moreno de fronte alta e tão querido de todos estava muito emocionado, nervoso, quando se postou diante do microfone. Num gesto automático ele bateu com o indicador no microfone para ver se estava funcionando e um imenso “toc, toc” ecoou pelo salão. Muitos riram desse seu gesto impensado. Pois, se o Nego acabara de falar com o microfone funcionando direitinho, seria muito improvável que o som tivesse sumido assim, do nada, em questão de segundos. O fato é que o Sr. Orlando começou a falar e com seu jeito simples fez um discurso curto, mas muito tocante a todos. Ele se lembrou de alguns episódios ao longo da história do clube que, com muito orgulho, administrara. Fez menção honrosa a alguns nomes, dentre os quais, destacamos Didi Borges e Enéas Verano. O primeiro, como, certamente, o maior admirador do S.P.E.F. Clube de todos os tempos e que agora iria, uma vez mais, ter a oportunidade de ver seu time de coração florescer e de torcer por ele. Quanto ao Sr. Enéas, o Presidente Orlando destacou que aquele homem sempre usara as dependências da Sede para as festas escolares de entrega de diplomas e de prêmios aos alunos que se mais se destacavam durante o ano letivo. Mais palmas se ouviram com gritos de “Viva Seu Enéas!”. O velho professor ficou vermelho de vergonha e deu um sorrisinho acanhado por trás de seu bigodinho branco. Parecia desconfortável com tanta atenção sobre si e logo meteu as duas mãos nas calças largas de seu terno branco. E o Orlando encerrou dizendo mais duas coisas. Abraçou o Nego que ainda estava ali ao seu lado e disse que ele tinha sido o melhor e maior organizador de churrascos nos primeiros de Maio de todos os tempos e pediu para o amigo outra salva de palmas. “Aí Negão!” alguém gritou. Lá de fora, da área, veio um comentário em voz alta que parecia ser a voz do Du o do Mário Pudim: “Negão, nos seus churrascos só tinha sebo!”. E foi uma explosão de gargalhadas na Sede toda, inclusive do próprio Nego, que retrucou: “Ah é?! Espere aí que vou te mostrar já já quem é que vou assar no espeto na festa deste ano!”. Mais gargalhadas. Era o velho espírito “laitense” ou como se diz oficialmente “dos moradores da Vila de funcionários da Usina de Itupararanga” de volta. Em outras palavras: aquele misto de brincadeiras e troças com direito a réplicas espirituosas, mas que nunca descambavam para a ofensa ou para a baixaria. A segunda e última coisa que o Orlando disse, antes de deixar o palco, foi: “E agora, queridos amigos, quero que todos recebam efusivamente o grande responsável por estarmos todos aqui hoje nesta nossa maravilhosa renovação de vidas: vamos ouvir o nosso grande líder: Mr. Smith!”. Enquanto Orlando e Nego desciam do palco, permanecendo lá em cima apenas o tradutor oficial, Alberto Pagan, e até por muitos minutos depois de Mr. Smith ter se aproximado dos microfones o que se viu foi uma das mais efusivas manifestações de gratidão através de palmas já dirigidas a alguém. Mr. Smith com seu jeito gringo foi mudando do rosa para vermelho, depois para o roxo e daí para uma palidez e, por muitas vezes, agradeceu fazendo sinal para que as pessoas parassem de aplaudir. O que só aconteceu depois de um bom tempo! E falando de improviso sempre traduzido por Pagan aquele homem começou: “Ladies and Gentlemen...” – “Senhoras e Senhores, é com grande prazer que junto-me à vocês, hoje, para esta grande celebração que comemora algo poucas vezes visto neste planeta. A reconstrução não apenas de um lugar maravilhoso, em um vale que vocês chamam de ‘encantado’, de tão lindo, mas, acima de tudo, a possibilidade de se repetir a reunião de pessoas provenientes de todas as raças, cores e credos, unidas sob um mesmo pensamento: o de conviverem em paz e harmonia se relacionando com amor e muito respeito mútuo. Por esta vila passaram muitas pessoas nos últimos 100 anos. Há casais aqui que chegaram sozinhos e hoje possuem mais de 50 descendentes! E o que é mais fascinante é que o que muitos de vocês chamam “Vida”, nos reserva grandes surpresas. Afinal, quando vocês poderiam imaginar que, após tantos anos, tudo isso vos seria devolvido? E agora há algo muito importante que quero lhes dizer...” Nesse instante, Mr. Smith passou a falar num português tão perfeito que todos o entendiam e Pagan não precisou dizer mais nada. “Quero lhes dizer que nome não é John Smith...”, e a face daquele homem foi ficando pálida e de seu corpo passou a emanar um brilho, uma luz, que causou espanto e paralizou a todos os presentes! “...Eu sou um enviado de Deus, amigos e o que Ele quis lhes ensinar é que se vocês se unirem dentro de um propósito permeado de amor pode sim acontecer um milagre! Mas, agora que já creem nisso minha missão está cumprida e eu saio de cena para que estes fatos continuem a ser lembrados por muitas gerações... E que prossiga o baile!” . Estas foram suas últimas palavras antes de desaparecer por completo para estupefamento de todos! Depois de refeitos do choque os integrantes da banda voltaram a se posicionar sobre o palco e começaram a tocar uma das músicas que mais amo: “Love me Tender”. Eu comecei a procurar meu amado marido, com quem pretendia dançar essa música quando uma espécie de torpor, de atordoamento trouxeram de longe, aos meus ouvidos, uns latidos que pareciam ser do...PEPE! Só me dei conta do que realmente acontecia quando, ainda encantada pelos efeitos do sono, recebi várias lambidas no rosto de meu travesso cãozinho. Eu simplesmente não queria abrir os olhos, voltar ao mundo real, interromper aquele lindo sonho(?). Até que finalmente abri os olhos e a expressão que vi nos olhinhos de Pepe pareciam me dizer: “Nunca Desista de Seus sonhos!”, e eu o abracei bem forte sentindo duas lágrimas quentes escorrerem-me pela face... FIM!
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Nota: Cliquem aqui http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=wGa2tHUcgbU e assistam ao lindo vídeo preparado no qual a maioria das famílias que viveram em Itupararanga são homenageadas.
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