domingo, 20 de junho de 2010

DE DOMADOR DE CAVALOS A MOTOQUEIRO






Ferraria José de Castro na Rua 21 de Abril - Elias Fausto/SP


Cada vez que soava o apito da usina ele se levantava as pressas do seu leito quente, colocava uma capa amarela, botas e capacete e saia correndo apagar o fogo no mato que alguém por pura imprudência colocava lá (apagavam fogo com uma vassoura improvisada e tinha que entrar mato a dentro).
Muitas vezes só voltava a tempo de tomar um banho e um café rápido e ia trabalhar na ferraria bater ferro o dia todo. Esta pessoa que poucos conheceram bem e faziam julgamento pelo seu jeito de ser (My Way) era um pai maravilhoso. Até o dia da sua partida estava preocupado conosco mesmo estando esclerosado.
Na nossa educação não interferia deixando a cargo de minha mãe, pois naquele tempo o homem era o provedor e a mulher cuidava da casa e dos filhos. Era uma delícia ter nossa mãe sempre ao nosso lado, ela que não devia gostar muito, pois aprontávamos de tudo, idéias malucas não nos faltavam!
Nascido em um sítio na cidade de Elias Fausto. perto de Campinas, sempre trabalhou na lavoura, daí ter se desenvolvido muito cedo, com 16 anos já tinha 1,85 de altura, homem feito.
Cansado de trabalhar para os italianos, pediu dinheiro para seu tio que era mais abastado para uma plantação de batatas que foi uma beleza, deu até para casar com a nossa mãe, pois já namoravam há algum tempo.
Com o passar dos anos resolveu montar uma oficina de ferreiro onde aprendeu a profissão. Sua empresa tinha cinco funcionários e lá fabricavam enxadas, foices, rodas de carroças, arados e tudo relacionado a ferramentas da lavoura.
As coisas já não iam tão bem e com o progresso começaram aparecer muitos carros importados e como seu forte era fazer roda de carroça, seu trabalho acabou ficando obsoleto, com isso veio para Votorantim onde encontrou seu parente Oscar Godoy (solteirão que trabalhava na light e morador do barracão no acampamento) que falou das vantagens de trabalhar para os gringos Não demorou muito e já estavam lá os Castro de mala e cuia para a vila da Light.
Sempre foi apaixonado por carros, motos e cavalos. Era conhecido em sua cidade como domador de cavalos, sempre destemido montou os mais bravos. Com o passar dos anos e os cabelos ficando mais ralo gostava de mostrar uma cicatriz na cabeça como se fosse um troféu e contava que além do tombo do valente, cortou a cabeça que se fosse hoje iria levar uns 40 pontos.
Começou a dirigir muito cedo no carro do seu tio rico que tinha uns dos três únicos carros da cidade, por sinal este tio foi ser padre por uma desilusão amorosa, mas isso é outra história que não cabe agora.
Teve muitos carros: buicks, Ford, Chevrolet, Pacard e outros que não sei as marcas; com as motos não foi diferente: Harley Davidson eu me lembro, mas quem poderá contar com mais detalhes é o Toninho meu irmão.
Temente a Deus era muito religioso e gostava de ajudar as pessoas, ninguém saia de sua casa sem um cafezinho e um dedinho de prosa. Como bom libriano gostava de conversar, sempre muito gentil. Amigo teve poucos, mas foram para a vida inteira, viveu até 87 anos e os verdadeiros estavam lá.
Era um pouco exigente, só comia as comidas preparadas pela minha mãe e um pouco exagerado, quando gostava de alguma coisa, por exemplo, durante três anos só comeu sopa de macarrão cortadinho no jantar e assim foi com o mamão que comprava caixas e caixas para degustar. Tomar uma dose de cachaça (das boas) no almoço e jantar era sagrado, não imaginam como era engraçado dançando ao som de uma sanfona e nós em volta rindo. Nunca aprendeu a tocar nenhum instrumento musical, pois todos que adquiria, vendia em seguida. Apreciador de música caipira não perdia um show de cururu junto com seu amigo Antonio Pereira que vinha de São Paulo para lhe fazer companhia.
Esses versos ele guardou na memória para sempre:
“São Paulo estado rico, mas o nosso não fica atrás,
Paraíba, Rio Grande junto com Minas Gerais,
O mineiro só faz queijo, o gaucho lida com couro,
São Paulo colhe café, o café que vale ouro,
E de todo país é a metade do tesouro!”
Vender, vender, vender, era o seu lema! (se fosse aos dias de hoje modéstia a parte seria o melhor vendedor do mundo).
Seus melhores clientes moravam na Vila da Light e seus produtos de venda eram bem diversificados: rádios, vitrolas, relógios, ternos, jóias, cobertores, sapatos, e até camisas que certa vez sem querer uniformizou o pessoal da vila vendendo mais de cem camisas todas da mesma cor azul. Era só gente chegando na venda com a roupa igual, até virou piada. Bonita camisa Fernandinho, como daquele comercial.
Excelente artesão, com pedaços de trilhos de trem fazia em sua ferraria ferramentas para desmontar aquelas enormes máquinas que vieram da Inglaterra e nas horas vagas fazia facas, canivetes, chaves de fendas, alicates, navalhas era sua especialidade.
Fez até uma armadura medieval, para o filho de um engenheiro, quem viu disse que ficou uma obra de arte.
Deixou uma porção de afilhados, por ser muito conhecido era muito solicitado que minha mãe aceitava de bom grado.
Não gostava de ler, mas era muito bem informado com seu radio de cabeceira sempre sintonizado na BBC de Londres.
A doença do Moacyr ele não acompanhou, pois já estava debilitado, mas ao chegar perto do caixão chorou como se fosse uma criança, pois sentiu que o seu primogênito tinha partido.
Um dia me chamou pelo nome (incrível porque já não me reconhecia mais) e pediu para que eu tirasse todo dinheiro da poupança já que queria comprar um carro novo para levar sua mulher conhecer o mundo todo.
Logo que ele faleceu mamãe também se foi, tenho certeza que estão realizando esta grande viagem.
Confesso que este relato me levou as lágrimas de tantas saudades. Espero que gostem!
Este foi o verdadeiro José de Castro Sobrinho, o Zé Ferreiro para os amigos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Cine São Francisco nosso Cinema Paradiso

“Cine São Francisco”

Este é o nome do primeiro cinema da nossa vila que surgiu em 1912 e foi destaque no Jornal Cruzeiro do Sul, conforme escrito abaixo:

“Na semana próxima deverá ser inaugurado no pitoresco arrabalde do Itupararanga, um confortável Cinema de propriedade do capitalista Sr. Nicolau Scarpa, que segundo soubemos, terá todas as comodidades necessárias a um bom centro de diversões” (transcrito do Jornal Cruzeiro do Sul de 16 de julho de 1912).

Assistindo novamente o filme Cine Paradiso me lembrei do nosso cinema que funcionava as 5ª feiras. Começava com a placa lá na venda, era um pôster colado na mesma com a propaganda do filme que era trazida pelo Sr. Didi Borges (ele que passava o filme) e não sei por que quando lhe perguntavam o nome do filme, ele respondia: “Amarelão”.

Houve uma época que os sócios do S.P.E. tinham cadeiras numeradas e as dos “Castro” era na 1ª fila do lado direito, poltronas 1-2-3, bem na nossa frente ficava a turma do barulho nos bancos, hora aplaudiam o mocinho, hora vaiavam o bandido, confesso que tirei grandes cochilos lá.

Certa vez eu e a minha irmã Inês fizemos umas travessuras que mamãe não gostou e o castigo foi não deixar ir ao cinema, mas só que aquele dia era o último capítulo da mulher tigre, sinceramente preferia ter tomado uma surra. No dia seguinte tive que me contentar com os comentários dos amigos.

Bom também era o cineminha que o Edson do Sr. Bentinho Arruda exibia em sua casa, verdadeira engenhoca do professor Pardal. Em uma caixa de sapato recortada como se fosse uma tela de TV em um rolo de papel colado com recortes de HQ da Disney, Tio Patinhas, Pato Donald e outros; atrás da caixa era colocada uma vela acesa. Lotava a sala da casa e quando terminava aplaudíamos em pé de tão legal que era.

Lembro até hoje dos clássicos que assistíamos. Muitos filmes eram os mesmos que passavam simultaneamente em São Paulo, sem saber estávamos moldando nossas personalidades porque víamos de tudo principalmente filmes sobre questões raciais (que era muito forte na época).

Não posso deixar de contar que a primeira vez que vi o meu amado Elvis Presley foi em preto e branco na nossa telinha com Love me tender, que hoje tenho em VHS e DVD na minha coleção.

Quem não assistiu Cinema Paradiso eu tenho só entrar em contato que mando de presente.

Ah! Não esquecendo que o nosso chiclete preferido era o Adams, aquele da caixinha amarela.

domingo, 13 de junho de 2010

Minha primeira comunhão


Minha primeira comunhão

Dia 27 de janeiro de 1957, esta é a data que está no meu diploma de 1o. comunhão, nessa época eu já estava com 10 anos, um pouco velha para os padrões da época, pois naquele tempo se fazia com 7 anos.

Talvez tenha tido dificuldade para decorar o caticismo ou para acumular mais pecados. Eu era tão "tonta" que na hora de confessar não lembrava de nenhum, então de improviso arrumei uns 10 que me custaram uma penitênciade 20 ave marias

Diplomas eu tive 4: do primário na escola particular de Itupararanga (que a traça comeu), depois da primeira comunhão, outro do curso de costura do Sesi e por último do meu batismo aos 53 anos.

Mas voltando a primeira comunhão, mamãe fez para mim um vestidinho branco de tafetá muito simples e um arranjo de flores para a cabeça.

Como meu pai teve que trabalhar nesse dia, minha mãe pediu para o Flavio Soares que me levasse até Santa Helena no seu carro preto (que eu não sei dizer a marca e nem o ano),mas era lindo.

Quem me acompanhou foi a Inês e eu estava me sentindo linda e rainha naquele carro só para nós duas, mas alegria durou pouco.

Chegando em Baltar encontramos a D. Dulce com seus três filhos: Dito, Noemia e a Maria Aparecida que haviam perdido o bonde que os levariam até Santa Helena.

O Flávio parou o carro e foi logo avisando que todos não cabiam no carro, mas foi em vão, eles foram entrando e nos empurrando para o fundo. Quando chegamos na igreja eu estava toda amarrotada

Ainda bem que ninguém fotografou esse evento, mais dificil ainda foi voltar para casa com a barriga roncando de fome, já que naquela época o tempo de jejum era de 10 horas, cheguei em casa exausta

D Dulce uma pessoa muito querida e seus filhos também, suas meninas foram minhas amigas.

Ora pro nobis - Licor & Bolachas

* * Foto internet

Toda vez que morria alguém n a Light era de costume rezar nove dias pela alma do falecido.

Para nós crianças, não deixava de ser um ato social, pois por nove dias tinhamos um compromisso e como diziam as pessoas mais antigas: a novena não poderia ser quebrada.

Como sempre eu e a Inês eramos as primeiras a chegar no evento e lembro que tinha um pequeno altar no fundo da sala com um pano preto pregado na parede e no meio uma cruz amarela.

No altar uma imagem do santo de devoção da família e duas velas acesas, mas o que chamava mais atenção era o licor com as bolachas que serviam depois da reza.

Numa dessas rezas eu e a Inês estavamos ajoelhadas bem atrás do puxador de terço, o Seu Abilinho que era um homem bom e muito simples e na hora da ladainha ele falava tudo errado, o ora pro nobis saia esquisito, nós sabiamos disso pois não perdiamos nenhuma novena que ele fazia.

Mas não é que neste dia deu um ataque de risos em nós duas e até que tentamos segurar mas não deu.

Então fomos convidadas educadamente pelos donos da casa para nos retirarmos.

Infelizmente a novena se quebrou e nós ficamos sem o delicioso licor!

(Até hoje nunca consegui terminar uma novena)

Doces lembranças - Cachoeiras da Light

* foto do acervo do Jornalista Billy Viveiros - http://filhosdalight.zipnet/
DOCES LEMBRANÇAS

E ela estava lá e seus sons, mas parecia uma música. Acordar todas as manhãs com cheiro de café feito na hora pela minha mãe, a sinfonia dos pardais, pisar descalça na grama molhada pelo orvalho da noite e o vento forte roçando nossos rostos. Era assim que começava o meu dia, um pouco frio, pois não tínhamos agasalhos suficientes, mas mesmo assim éramos felizes. Felizes também foram às pessoas que passaram nesses 100 anos que vamos completar de paraíso na Vila da Light. Quantos nasceram, cresceram, casaram, tiveram filhos e alguns morreram (faz parte da vida). As festas cívicas, aniversários, casamentos e batizados era onde todos se reuniam para confraternizar. Não se esquecendo do passeio de trole, bailinhos aos sábados com os discos do nosso querido Zé Dudu (que era muito avançado para nossa época), o nosso DJ Cocada que sempre repetia a música quando o cavaleiro fazia um sinal sutil para ele, isto significava que a companheira de dança estava boa e o cinema as quintas feiras nosso outro ponto de encontro. Respirar o ar puro do verde que nos rodeava, contemplar aquele céu azul e as noites com as estrelas parecendo luzes soltas no ar (numa dessas noites eu vi uma estrela cadente) era um encontro nosso com Deus. Agora quero falar do nosso mais precioso bem: As nossas lindas cachoeiras, quantas pessoas nestes 100 anos passaram por lá. Muitas para bater papo, outras para trocar juras de amor, pois lá era um local para os apaixonados. Nossa cachoeira com sua queda de 40 metros continuam dando espetáculo mesmo que não tenha ninguém para aplaudir. Suas águas cristalinas continuam jorrando ladeira abaixo purificando os olhos de quem a acompanha. Tenho certeza que nossos antepassados desfrutaram de toda essa beleza, porque elas estão lá há milhões de anos. Esta é uma singela homenagem de quem teve o privilégio de viver por 22 anos neste paraíso chamado Itupararanga.