Mr. Smith faz uma pausa e comenta em inglês com o Pagan. "Vamos descer e descansar um pouco perto daquele poço, junto ao cercado". Havia umas vacas pastando por ali e um cavalo selado, provavelmente, a montaria com que Mr. Smith chegara ao Vale Encantado. O Sol quase se punha atrás de um casarão à direita dos dois homens, tingindo o céu em suaves e diferentes matizes . Mr. Smith se sentou na mureta do poço e comentou com alguma intimidade: "Alberto, pensando bem, um megafone viria bem à calhar, heim?! Você não precisaria ficar berrando, forçando tanto a voz, lá em cima da plataforma. Será que Mr. Zé de Castro não improvisaria um pra gente? Não é ele quem fabrica facas, canivetes com molas e cabos de chifre e as rodas da carroça que recolhe o lixo da Vila? Ouvi dizer que ele é muito criativo". E sem dar chance do Alberto responder, o gringo emendou outra frase: "Alberto, vou te contar um segredo. Esta aprendi em meus anos de universidade lá nos States. Sabia que para uma roda de madeira ficar bem ajustada, na medida certa, só pondo o aro de ferro quando ele ainda estiver quente e, em seguida, jogar água fria". Alberto Pagan, que à certa distância e com aquelas cores da tarde caindo, por uma curiosa ilusão de ótica, parecia ter cabelos. Ele ouvia tudo em silêncio, com um leve sorriso no canto da boca. Mr. Smith não parava: "E por falar em ferreiro, Pagan, saiba que John Wilkinson é considerado o 'Mestre dos Ferreiros'. Foi ele que em 1787 ele construiu o primeiro barco de ferro. Essa profissão é antiguíssima e depois dos barcos, logo vieram as pontes sabia?".
Alberto, enquanto o megafone não fica pronto, vamos dar uma olhada no Trole. Seu estado atual é deplorável... A pintura está toda desbotada, os bancos rachados...Foram vistos jogados junto ao muro da Pensão do Balanço! O Trole precisa de uma restauração completa e urgente! Reúna os funcionários que forem necessários para essa tarefa: carpinteiros, marceneiros, ferreiros, enfim...Todos e tantos quanto forem necessários! Hummm, vejo aqui em minhas anotações que aquele garoto, o “Odécio da D. Lica”, tem uma empresa de pintura que pinta até avião...Então, ele que fique com os retoques finais e deixe o trole lindo e em perfeitas condições de uso. Por favor, Alberto, me ajude a passar essas ordens para frente e a tomar essas providências!”
Terminado o breve período de descanso junto ao poço, Mr. Smith e Alberto Pagan, retornaram à plataforma com o objetivo de continuar orientando à multidão. Mr. Smith olhou para suas anotações e pareceu estar um tanto em dúvida sobre como prosseguir. "Pagan, eu estou pesando em começar a chamar os portugueses que chegaram até aqui!". Tendo ouvido isso Pagan fez o seguinte comentário: "Boa idéia, Mr. Smith. De fato, alguns portugueses foram trabalharam em nossa Usina e moraram aqui com suas famílias sim. Lembro-me de que a família Castro tinha um casal de portugueses como vizinhos: Sr. Bernardo e Sra. Olinda, não me lembro agora do sobrenome deles. Ele era um tanto carrancudo, mas, um bom sujeito. E D. Olinda uma esposa zelosa, uma senhora muito boa e religiosa. Ela ensinava catecismo em sua casa, para a garotada da Vila, e até distribuía medalhinhas de santos. Só que tinha um gênio muito forte!". "Forte?!", indagou o estrangeiro. "Como assim, forte?". Mr. Smith teve dificuldade em entender e o Alberto Pagan foi obrigado a entrar em mais detalhes. "Bem, Mr. Smith, para o senhor entender melhor a que me refiro, uma ocasião, os Castros tinham acabado de ganhar uma filha, à qual deram o nome de Inês e sua irmã mais velha, Nairzinha, na verdade uma criança com pouco mais de sete anos, quis ajudar a mãe lavando as roupas da recém-nascida. Como o sr. já deve ter visto nas plantas da engenharia alguns tanques e banheiros aqui na Vila eram coletivos nas primeiras décadas. E quando a pequena Nair foi estender as roupas de sua irmãzinha 'avançou' um pouquinho para o lado da D. Olinda, que não gostou nem um pouco daquilo e deu uma tremenda bronca na menina". Mr. Smith ouvia atentamente e a esta altura arriscou um: "Ah é?!". "Sim, Mr. Smith...", respondeu o Pagan "Dona Maria, a mãe, ouvindo o choro da filha veio ver o que estava acontecendo e quando viu sua vizinha portuguesa dando um corretivo em sua pequena não pensou duas vezes: pegou um cabo de vassoura e enfrentou a fera que logo bateu em retirada". A esta altura Mr. Smith e Pagan, riam gostosamente com o fato lembrado pelo Pagan que ainda comentou: "Sei disso porque num lugar pequeno, como nossa Vila, essas coisas espalham como fogo em capim seco e logo estava todo mundo sabendo do susto que a D. Olinda levara!"
Ah, Dr. Smith, ainda sobre os portugueses, esqueci de contar que Toninho de Castro, outro filho do Zé Ferreiro, certa vez ganhou uma pomba e a mesma subiu no telhado do Sr. Bernardo e não queria mais sair de lá. Bem, o menino foi atrás dela pisando nas telhas do vizinho que foram se quebrando e caindo na cabeça do pobre homem. No final, como diz o ditado: 'Dentre mortos e feridos salvaram-se todos!' Apesar dessas pequenas confusões, até onde sei, Mr. Smith, mesmo depois de terem se mudado, D. Olinda sempre visitava os 'encrenqueiros', quer dizer, 'os Castros' e essa amizade foi para a vida inteira.
"Bem Alberto, vamos continuar?". "Sim, Mr. Smith!". Mr. Smith posicionou-se outra vez um pouco mais perto do parapeito da plataforma para dar continuidade àquele incrível discurso que comunicava a todos a realização de uma restauração de locais e uma reconstrução de vidas, algo que já parecia impossível, mesmo aos mais crédulos. Era um sonho há muito acalentado por todos tornando-se realidade. E Alberto Pagan empertigou-se ao lado daquele homem estranho e igualmente fascinante. E suas palavras vieram: "A Cachoeira está linda! Com esse sol escaldante é impossível ficar sem dar um mergulho, ainda mais que hoje foram instalados novos trampolins. Pelo que já me disseram, a fila está enorme para ver quem dá o salto mais bonito. O primeiro da fila é o 'Miro', filho do lendário Zé Caetano (aquele senhor que dava uns cochilos no banquinho da Venda, pai da Maria, aquela menina fofinha com cabelos longos e marido da Dona Dita). Pensam que não sei dessas coisas?", brincou Mr. Smith. E continuou: "Nossa, na fila do trampolim tem muita gente! Vou citar alguns nomes: Tidão, Rato, Renato, Baetaca, Wandão, Pirata, João Abimael, Abimares, Torda, Jucão, Canário, Ismael, Ledo, Zé do Paco, Davi, Zé Dudu, Décio e Paulinho Piruá, seu irmão adotivo. Mr. Smith não se contêm e comenta baixinho com seu tradutor. "Weird nicknames they use to have here, right Pagan?"(Mas, que apelidos esquisitos eles costuma ter por aqui, né Pagan?". E a multidão só pode ver os sorrisos nos lábios de ambos, mas, sem saber de que se tratava... !
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